*Por Lucas Infante
Vivemos em uma era em que a mobilização começa na tela do celular. Um post sobre sustentabilidade pode alcançar milhares de curtidas em minutos, gerar compartilhamentos e até virar tendência. Mas a verdade é que, por mais que o engajamento digital ajude a dar visibilidade, ele não resolve o problema central: a cultura do desperdício de alimentos.
Segundo a ONU, um terço de toda a comida produzida no mundo não chega a ser consumida. No Brasil, o número assusta ainda mais: 46 milhões de toneladas de alimentos desperdiçados por ano. Isso significa não apenas comida boa indo para o lixo, mas também um desperdício de recursos preciosos: terra, água, energia e tempo humano dedicados à produção. E o mais grave: ao mesmo tempo em que tanto se perde, milhões de brasileiros vivem em situação de insegurança alimentar. Essa contradição mostra que combater o desperdício não é apenas uma questão ambiental, mas também social, econômica e ética.
A boa notícia é que cada pessoa tem muito mais poder do que imagina. Combater o desperdício não depende apenas de grandes acordos internacionais ou de tecnologias disruptivas. A mudança começa em pequenas atitudes cotidianas, acessíveis a qualquer um. No fim das contas, cada escolha individual se soma a um impacto coletivo. Curtir uma causa é importante, mas viver de acordo com ela é transformador.
Ações práticas que fazem diferença
Aqui está a lista de práticas que sigo e recomendo:
Planejar antes de comprar
A pressa e a falta de organização são inimigos silenciosos. Fazer lista de compras, comprar por necessidade real e evitar estocar além da conta reduz drasticamente o desperdício dentro de casa.
Valorizar o “fora do padrão”
Frutas e legumes “feios”, mas perfeitamente bons para consumo, ainda são rejeitados em muitas prateleiras. Optar por eles é um gesto simples que ajuda a combater a cultura da aparência e mostra que o sabor e o valor nutricional importam mais do que a estética.
Aproveitar integralmente os alimentos
Talos, cascas e sementes carregam nutrientes que muitas vezes descartamos sem pensar. Ao transformá-los em sucos, sopas ou farofas criativas, diminuímos o lixo e ampliamos o aproveitamento daquilo que já compramos.
Armazenar corretamente
Boa parte do que estraga não é por falta de qualidade, mas por conservação inadequada. Saber como guardar, organizar a geladeira e respeitar prazos de validade pode prolongar a vida útil dos alimentos.
Apoiar iniciativas que salvam comida
Aplicativos, bancos de alimentos, projetos comunitários e estabelecimentos que vendem excedentes com desconto são aliados práticos. Ao apoiar essas iniciativas, você contribui para que menos comida boa acabe no lixo.
É claro que governos e empresas têm papel fundamental na criação de políticas públicas, no desenvolvimento de sistemas logísticos mais eficientes e no incentivo a modelos de negócio inovadores. Mas isso não significa que o consumidor seja apenas espectador. Ao contrário: somos agentes ativos, capazes de influenciar a cadeia de ponta a ponta. Cada refeição reaproveitada, cada compra consciente, cada escolha de apoiar quem reduz desperdício é um recado de que não aceitamos mais a lógica de jogar fora o que poderia alimentar alguém.
O desafio maior, no entanto, é cultural. Durante décadas fomos condicionados a associar abundância com fartura e fartura com excesso. Mas já não podemos sustentar essa mentalidade em um planeta com recursos finitos e demandas crescentes. Romper com essa lógica exige um esforço coletivo: educar crianças desde cedo, rever práticas domésticas, cobrar compromissos do setor privado e reconhecer que sustentabilidade não é um discurso de futuro, mas uma urgência do presente.
Do like à ação existe um caminho. Um caminho feito de escolhas, hábitos e, sobretudo, responsabilidade. E cada um de nós pode percorrê-lo hoje. Combater o desperdício é uma transformação cultural que começa na consciência, passa pelas atitudes individuais e ganha força quando se conecta em rede. O ciclo só se quebra quando a comida boa deixa de ir para o lixo e passa a ocupar o lugar certo: a mesa de quem precisa.
*Lucas Infante é CEO e cofundador da Food To Save